Então, sobre o Davi.
Conversei um minutinho rápido com ele, enquanto saíamos da igreja, e não sei por que cargas d’água, começamos a falar sobre música. Pensei em falar pra ele comprar uma gaita na Internet, quando de repente, senti algo assim:
"Pega a sua gaita e dá de presente. Ele merece."
Não vou dizer que foi uma voz, porque não ouvi. Mas senti com clareza que aquele momento era único na vida. Eu estava diante do bisneto do meu amigo Antônio Romão.
Entrei rapidinho na igreja, peguei a gaita na mochila, e joguei pra ele uma caixinha preta.
- Pensa rápido, Davi!
Como eu estava um pouco longe, a gaitinha subiu, subiu e quando ele tentou agarrar, ela escapou e…
- Tibum no chão.
- Desculpa, tio.
- Desculpar o quê? A gaita é sua mesmo.
- Como assim? Você tá me dando essa gaita?
- Como é que eu posso te dar uma coisa que já é sua?
Ele olhou pra mãe. A mãe sorriu pra ele. (Ela me conhece há tempos, sabe que eu apronto dessas.)
O rosto do menino se iluminou - feito o do bisavô dele.
- Sério, tio? Puxa, muito obrigado. Deixa eu te dar um abraço!
E lá veio o Davi, me abraçar como o Antônio Romão sempre fazia quando eu ainda era um rapaz.
Mostrei pra ele como fazer o arpejo de dó na gaita. E disse pra ele treinar, que depois ele aprenderia o ré, fá, lá e si. Lavei a gaita com água e sabão, e entreguei pra ele de novo.
Eu sou desses. Dou gaita usada. Dou gaita desafinada. Dou caneta que escreve e caneta que já não escreve. Pra mim, o que vale é o momento. Já dei até um abacaxi de presente de aniversário. Se a pessoa gostar, tudo bem. Se não gostar, ao menos vai se lembrar pro resto da vida!
Ah, nós ainda entramos na igreja e fomos tocar piano juntos. A Aline filmou. Vou perguntar a ela se eu posso publicar a nossa foto juntos.
Na próxima, conto sobre a única pessoa que conheci que dizia ‘mais bonita que gota de orvalho na folha de taioba’. Nunca ouvi ninguém mais usar essa expressão.
So, about David.
I talked to him for a quick minute, as we left the church, and I don't know why, we started talking about music. I thought about telling him to buy a harmonica on the Internet, when suddenly, I felt something like this:
"Take your harmonica and give it as a gift. He deserves it."
I won't say it was a voice, because I didn't hear it. But I felt clearly that that moment was once in a lifetime. I was in front of my friend Antônio Romão's great-grandson.
I quickly entered the church, took the harmonica from my backpack, and threw him a little black box.
- Think quickly, David!
As I was a little far away, the kitten climbed and climbed and when he tried to grab it, it escaped and...
- Tibum on the floor.
- Sorry, uncle.
- Excuse what? The harmonica is yours.
- Like this? Are you giving me this harmonica?
- How can I give you something that is already yours?
He looked at his mother. His mother smiled at him. (She's known me for a long time, she knows I do things like that.)
The boy's face lit up - like his great-grandfather's.
- Really, uncle? Wow, thank you very much. Can I hug you!
And there Davi came, hugging me like Antônio Romão always did when I was still a boy.
I showed him how to do the C arpeggio on the harmonica. And I told him to train, and then he would learn D, F, A and B. I washed the harmonica with soap and water, and handed it to him again.
I'm one of those. I give used harmonica. I play the harmonica out of tune. I give a pen that writes and a pen that no longer writes. For me, what counts is the moment. I even gave him a pineapple as a birthday present. If the person likes it, that's fine. If you don't like it, at least you'll remember it for the rest of your life!
Oh, we even went into church and played the piano together. Aline filmed it. I'll ask her if I can publish our photo together.
Next time, I’ll tell you about the only person I knew who said ‘more beautiful than a dewdrop on a taioba leaf’. I've never heard anyone else use that expression.
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