Quanto mais o tempo passa, mais esse negócio de ‘memórias afetivas’ vai se tornando sério pra mim...
Nesse fim-de-semana, minha esposa (Martha) e eu viajamos de moto por 300 km, para visitar parentes em Volta Redonda, no estado do Rio.
No sábado, fomos ao aniversário de 15 anos da minha prima Millena. No domingo, fomos à igreja. Nos dois dias, uma coisa me surpreendeu: reencontrei homens e mulheres que eu conheci quando eram rapazes e moças. Vi jovens que eu tinha pego no colo quando bebês; e também crianças que eu nunca tinha visto na vida, mas cujos pais conheci quando tinham a idade deles.
A cada encontro, senti um turbilhão de emoções. Vou escrever uma por vez.
Na saída da igreja, encontrei a Aline, que conheci quando ela tinha uns 7 anos, e era magrinha feito um palito de picolé. Hoje, é uma mulher bonita e sorridente. Do lado dela, um menino.
- Qual o nome dele? - perguntei.
- Davi.
- Oi Davi, tudo legal?
- Tudo bem, disse o menino.
- Esse é o Tio Charlles, concluiu a mãe.
Pronto. Já gostei do moleque. Porque enquanto olhava para o rosto dele, me lembrei do seu bisavô, que foi um grande amigo meu quando eu tinha dezoito anos. Se estivesse vivo hoje, ele faria noventa e oito anos esse ano.
Sabe o que é você ter um amigo que é seu companheiro de verdade, quando você tem dezoito anos e ele, sessenta e dois?
Esse foi o Antônio Romão na minha vida. Por vários anos, nós visitávamos juntos quatro famílias. Todo santo mês.
Um dia, estávamos no final da visita, quando ele nos fez uma surpresa. Tirou da bolsa um sabonete embrulhado para presente, com uma rendinha rosa ao redor. A aniversariante era uma senhora idosa, que pegou o sabonete com a mão trêmula, e esboçou um sorriso do qual eu nunca esqueci.
Tia Maria não conseguia falar, por algum tipo de deficiência mental que eu nunca perguntei aos parentes qual era. Durante nossas visitas, às vezes ela ficava quietinha prestando atenção. Ou então, ficava pra lá e pra cá andando pela casa.
Nós até falávamos com ela - mas ela nunca nos respondia. Enquanto ela desembrulhava o presente, fiquei pensando:
Como o Irmão Antônio descobriu a data de aniversário dela? Por que ele não me falou nada antes?
Olhei pro rosto dele. Brilhava feito uma gota de orvalho numa folha de taioba. Ele estava realmente satisfeito em dar aquele presente.
Isso foi há mais de trinta anos, mas parece que foi ontem. Onde quer que ele esteja, espero que saiba que aquele gesto de amor marcou minha vida.
Amanhã escrevo sobre o Davi.
The more time passes, the more this 'affective memories' thing becomes serious for me...
This weekend, my wife (Martha) and I traveled 300 km by motorcycle to visit relatives in Volta Redonda, in the state of Rio.
On Saturday, we went to my cousin Millena's 15th birthday. On Sunday, we went to church. Over the two days, one thing surprised me: I met men and women I knew when they were young men and women. I saw young people that I had held as babies; and also children I had never seen in my life, but whose parents I met when they were at their age.
With each encounter, I felt a whirlwind of emotions. I will write one at a time.
On the way out of the church, I met Aline, who I met when she was about 7 years old, and was as skinny as a popsicle stick. Today, she is a beautiful, smiling woman. By her side, a boy.
- What's his name? - I asked.
- Davi.
- Hi Davi, how are you?
- It's okay, said the boy.
- This is Uncle Charlles, concluded the mother.
Ready. I already liked the kid. Because as I looked at his face, I remembered his great-grandfather, who was a great friend of mine when I was eighteen. If he was alive today, he would be ninety-eight this year.
Do you know what it's like to have a friend who is your true companion, when you're eighteen and he's sixty-two?
That was Antônio Romão in my life. For several years, we visited four families together. Every single month.
One day, we were at the end of the visit, when he surprised us. He took out a gift-wrapped soap from his bag, with a little pink lace around it. The birthday girl was an elderly woman, who took the soap with a trembling hand, and smiled a smile that I have never forgotten.
Aunt Maria couldn't speak, due to some type of mental disability that I never asked her relatives about. During our visits, she would sometimes sit quietly and pay attention. Or else, she would move back and forth around the house.
Sometimes, we talked to her - but she never talked to us. As she unwrapped the gift, I was thinking:
How did Brother Antônio find out her birthday? Why didn't he tell me anything before?
I looked at his face. It shone like a drop of dew on a taioba leaf. He was really pleased to give that gift.
That was over thirty years ago, but it seems like yesterday. Wherever he is, I hope he knows that his gesture of love changed my life for better.
Tomorrow I will write about Davi.
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