Welcome to Free Audiobooks. Read & listen to Anonymous Heroes, a book I wrote in tribute of workers from all over the world.
Se existe um profissional que tem um negócio chamado de ‘público cativo’, é o nosso amigo barbeiro. Atencioso, bom de papo, com um pitaco pronto para a política ou futebol, vai conquistando sua clientela...
Já vi gente trocar de advogado, médico, obstetra, pedreiro. Mas deixar de freqüentar um bom barbeiro, é prova de insanidade. Ao menos que ele viaje, se aposente, ou fique doente.
Tem barbeiro que curte tanto a profissão, que vão se passando os anos e ele se esquece até de falecer! Eu conheci um assim... Aliás, foram dois, e um era pai do outro. Conto já...
Quando pequenos, meu pai nos levava – meu irmão e eu – ao seu Cleosbaldo. Nunca entendi porque uma mãe resolve chamar um filho de ‘Cleosbaldo’ – deve ter tido uma gravidez complicada ou um parto difícil pra burro!
Era só a gente sentar na cadeira, que ele vinha com a mesma pergunta: vai cortar como... Príncipe Danilo ? Meu pai explicava mais uma vez que era pra aparar aqui, abaixar ali, etc. Acabei ficando curioso, e perguntei sobre o tal príncipe...
Ele explicou que o corte era feito colocando uma cuia de coco na cabeça, e passando a máquina ao redor. O que sobrasse era o tal penteado. Pensei: coitado desse cara – deve ter morrido solteiro!
Mas o seu Cleosbaldo tinha uma arma secreta. Era sua terrível Máquina Zero. Naquela época, não era movida a eletricidade, mas funcionava mecanicamente. Ele começava a fazer o tlec-tlec na cabeça da gente e – de repente – dava aquela beliscada... Ai!
Aí ele vinha sempre com a mesma desculpa: “Tenho que mandar amolar essa máquina, tá beliscando um pouquinho...” Mas o ‘pouquinho’ dele, não havia cristão que agüentasse, e ele acabava voltando com o tlec-tlec da tesoura mesmo!
No final do corte, voltava ele com suas frases batidas: “Agora vai arrumar namorada, hein?!” Os adultos presentes riam, a gente torcia o bico e pulava da cadeira.
Se fosse por mim, só cortava cabelo em duas ocasiões: quando tivesse que tirar retrato ou estivesse ‘pingando’ de piolho!
Quando eu já estava mais crescido, seu Cleosbaldo teve que viajar. Indicaram-me a barbearia do pai dele. Se o filho já tinha mais de setenta anos, imagina o pai! E lá fui eu, atrás do verdadeiro Tesourassaurus Rex!
O homem foi bastante educado. Me atendeu em casa, e não citou o príncipe, as namoradas, nem me assustou com a terrível máquina zero. Paguei, saí, e nunca mais voltei por lá. (Seu Cleosbaldo também não tirou mais férias!) E se o Mr. Rex continuou cortando, também não sei. Afinal, ele já havia cruzado o Cabo da Boa Esperança fazia tempo...
Tem também a única vez que cortei com um barbeiro que tinha mau hálito. Acho que se ele fornecesse uma máscara ao cliente, e desse uma boa baforada na cabeça, tingia os cabelos de uma cacetada só!
Poderia até ficar famoso com sua técnica natural. Se o cliente não pudesse escolher a cor, ao menos escolheria o sabor. Imagine o bafo-de-onça perguntando: E aí, vamos tingir de cebolinha, mortadela ou salaminho?
Mas nem só de aterrorizar meninos vivem as barbearias...
Teve uma vez – lá no nordeste – que passei a cortar com um rapaz que era o rei do improviso. Como o preço cabia no meu bolso – ambos eram bastante reduzidos – virei freguês.
Pra molhar o cabelo, ele usava um recipiente de desodorante, cheio de água de torneira. A cadeira, ele buscava na cozinha mesmo. O espelho ficava na sala. E o corte era feito na varanda. Uma técnica de marketing perfeita: o cliente na varanda chamava a atenção dos clientes que passavam na rua e... Batata!
Certa ocasião, já vinha caindo a noitinha quando começamos a aventura. Era mais emocionante do que pular de pára-quedas, pois o final era sempre imprevisível.
De repente, acabou a energia. Com o corte já pela metade, colocamos a cadeira na calçada, pra aproveitar a luz da lua. Como o tempo estava nublado, a minha única alternativa foi segurar duas velas acesas – uma em cada mão – sob o olhar admirado de quem passava!
Hoje, quando conto, quase ninguém acredita. Nem sei se eu mesmo acreditaria, caso não houvesse vivido na pele... Concordo. Às vezes, é bem mais fácil acreditar em príncipe.